As luas de Galileu

03 de janeiro de 2017


O final do século XV e início do XVI destaca-se por uma turbulência mundial nos campos político, econômico, religioso e científico. Grandes navegações com a descoberta da América, Reforma Protestante e Teoria Heliocêntrica. Neste último caso, o polonês Nicolau Copérnico publicava em 1543 De revolutionibus orbium coelestium. Nele, a nova teoria destronava a Terra do centro do Universo e colocava o Sol, sendo nosso planeta apenas mais um a orbitá-lo.

Tal ideia gerou enorme repercussão, principalmente negativa dentro da Igreja Católica, pois seria como se um dogma tivesse sendo negado. Porém alguns aceitaram a novidade e decidiram analisá-la. Em 1610 Galileu Galilei (ao lado) em posse de um telescópio construído por ele próprio faz uma descoberta que seria um dos argumentos mais fortes para defender o heliocentrismo de Copérnico. 

Galileu, nos fins de 1609 para início de 1610, decide observar Júpiter com seu novo instrumento e vê quatro pequenas estrelas alinhadas com o planeta. Nos dias seguintes, ele repetindo as observações percebe que essas estrelas seguiam Júpiter, assim, concluiu o astrônomo, que esses pontos luminosos não pertenciam as estrelas fixas, mas sim ao planeta. Seguindo os estudos, anotando e desenhando tudo que via. Galileu foi além, vendo que por mais que os pequenos pontos de luz se movessem de um lado para outro de Júpiter, nunca se afastavam mais que uma distância limite. Por que? Porque estavam orbitando o planeta, eram seus satélites. A Terra não era mais o centro de tudo.
Manuscritos de Galileu.
Desenhos feitos por Galileu ao observar os satélites por ele descobertos.


CONTROVÉRSIA E NOMES

A data exata da descoberta dos grandes satélites de Júpiter é 7 de janeiro de 1610, porém houve uma denúncia de plágio por Simon Marius, astrônomo alemão, que alegou tê-los descoberto uma semana antes, em 29 de dezembro de 1609. Devido a falta de provas de tal feito, o crédito é dado a Galileu Galilei, mas coube a Marius a honra dar os nomes aos satélites e ele escolheu com base na mitologia grega. Zeus (Júpiter para os romanos) teve dezenas de amantes, daí saíram os nomes: Io, Europa, Ganímedes e Calisto.

Além dessa "briga" entre Galileu e Marius, o historiador Xi Zezong descreve que em 364 a.C. o astrônomo chinês Gan De teria observado um dos satélites de Júpiter (Calisto ou Ganímedes) a olho nu. Ou seja, 2 mil anos antes do atualmente aceito.


CARACTERÍSTICAS
Júpiter e seus quatro grandes satélites vistos num telescópio amador.

Ao redor de Júpiter um enorme grupo de satélites, o seguem em torno do Sol, porém as quatro luas galileias ofuscam os demais membros. Juntas correspondem a mais de 99% da massa que cerca o maior dos planetas. São tão grandes que têm diâmetros maiores que qualquer planeta-anão. Io, Europa e Ganímedes estão em ressonância orbital 1:2:4, ou seja, uma volta deste último se completa, quando Europa realiza duas e Io quatro. Sua origem remonta ao período da formação de Júpiter, restos de sua "nebulosa" se concentraram aglomerando poeira e gases.
Ressonância orbital entre os satélites de Júpiter
Ressonância orbital entre Io, Europa e Ganímedes.


Io

Io

Aqui temos quarto maior satélite do Sistema Solar, com diâmetro de 3.642 km (a Lua tem 3.474 km), Io orbita a 421.600 km do planeta e completa uma volta a cada 1 dia 18 horas e 30 minutos.

Estamos no local de maior atividade vulcânica conhecida. Compostos de enxofre fazem de Io um inferno colorido, pois sua imagem multicolor em tons de branco, laranja, amarelo e preto contrasta com a intensa emissão de gases e partículas superaquecidas, alguns vulcões são mais quentes que os terrestres. Apesar disso, de modo geral lá faz frio, média de - 143 °C.

Sua fraca gravidade não permite uma atmosfera importante, embora retenha parte do dióxido de enxofre, a maior quantidade dele escapa para o espaço formando e alimentando o chamado Toro de Io, uma espécie de anel de partículas que circunda Júpiter e interage com seu poderoso campo magnético emitindo luz ultravioleta.

Erupção em Io, capturada pela sonda Galileu.

A superfície de Io não possui muitas crateras, visto que há constante renovação do solo devido ao acúmulo de lava. Ao passo que vulcões se mostram bem presentes (são centenas), destaque para Ra Patera com uma caldeira de 50 km de diâmetro. O interior do satélite é semelhantes aos planetas telúricos, dados sugerem que há um núcleo de ferro com quantidades apreciáveis de pirita, mineral conhecido como o ouro-dos-tolos.


Europa


O segundo satélite do nosso estudo é sexto em tamanho no Sistema Solar com 3.128 km de diâmetro e se mantém a uma distância média de 667 mil quilômetros de seu planeta. Europa ganhou destaque nos últimos anos pela grande possibilidade de existência de um oceano de água líquida que sob a superfície de gelo, rivalizando com Marte como local com altas probabilidades de encontrar vida extraterrestre.

Europa tem uma estrutura interna que lembras os planetas interiores, com um núcleo metálico, mas com manto rochoso. Acima desse manto temos a grande expectativa que gira em torno desse satélite, uma camada de 100 km de água líquida envolvendo o astro inteiro. Acima dela, temos a crosta formada por gelo de água com outras substâncias. A superfície é muito planta, com poucas crateras e bastante jovem em termos geológicos, não tem mais que 90 milhões de anos. Também é um ambiente em atividade, em 2013 a NASA usando o Hubble, detectou ejeção de plumas de água no espaço, como supergêiseres.

Superfície riscada
Algo que chama bastante atenção é a presença de riscos pela superfície europeana, alguns chegam perto de 1.000 km de comprimento e são muito semelhantes com as quebras do gelo que se formam sobres os mares polares da Terra. Outra importante evidência da existência da água em Europa, foram medições realizadas pela Sonda Galileu do campo magnético de Júpiter nas redondezas do satélite. Onde foi observado uma interrupção deste campo, que só poderia ser causada por um outro campo criado no interior de Europa. Para um campo ser criado, é necessário que um fluido eletricamente condutor esteja se movimentando sob a superfície. Assim, com base na composição gelada do ambiente há enorme possibilidade de ser água líquida e salgada o fluido responsável pelo campo.

Plumas de água em Europa
Nessas imagens, vemos as plumas de água expelidas por Europa (as "manchas" verde e azul-claro). (Crédito: NASA)


Ganímedes

Este é o maior satélite do Sistema Solar, com seus 5.262 km de diâmetro chega a ser maior que Mercúrio, (porém com menos massa) e ter três quartos do tamanho de Marte. Tem órbita quase circular, mantendo uma média de 1,07 milhão quilômetros de distância de Júpiter. Ganímedes é tão grande que em ocasiões bem especiais, especialmente ao pôr do Sol e para que tem excelente visão, o satélite pode ser visto a olho nu quando está na máxima elongação em relação à Terra.

Além de seu tamanho, este satélite tem características bem interessantes. Possui atmosfera de oxigênio, assim como Europa, e um campo magnético próprio, provavelmente oriundo de líquidos em seu interior. Ganímedes também tem semelhanças com Io, especialmente no seu interior, onde sugere-se um núcleo metálico (ferro ou ferro com enxofre), cercado de um manto rochoso, meio lamacento e, por cima, uma espessa crosta de gelo com rochas.

Ganímedes tem dois tipos principais de terreno, áreas escuras muito antigas e cheias de crateras e áreas mais claras mais jovens e com sulcos e ranhuras. Abaixo vemos uma imagem onde foi possível obter os dois tipos lado a lado.
À esquerda a parte antiga e escura, à direita as finas estrias brilhantes.

Temos outra região interessante, trata-se da Enki Catena. Uma sequência de 13 crateras que dão 161,3 km de comprimento. Astrônomos deduzem que algum cometa teve sua órbita alterada e núcleo rasgado ao passar muito perto de Júpiter, sobrou pra Ganímedes aguentar o bombardeio.
Enki Catena
Enki Catena


Calisto


Chegamos ao último satélite joviano conforme ordem de distância do planeta, se mantendo a cerca de 1,88 milhão de quilômetros de Júpiter, quase 5 vezes a distância Terra-Lua. Apesar disso, sua rotação é síncrona, ou seja, mantém sempre a mesma face para Júpiter. Calisto também tem dimensões planetárias, 4.806 km de diâmetro (99 % de Mercúrio), oque o torna o terceiro maior do Sistema Solar.

Assim como demais satélites, é composto por rochas e gelo, também há indícios de um oceano de água líquida a algumas dezenas de quilômetros abaixo da superfície e no fundo um núcleo de silicatos. Contém uma finíssima atmosfera de dióxido de carbono, renovada periodicamente pela sublimação da superfície.

Este satélite tem uma aparência incomum, de modo geral ele é escuro, mas cheio de pontos luminosos. Os astrônomos sugerem que esses pontos são as bordas levantadas das crateras e algumas colinas, onde há depósitos de cristais de gelo. Já as grandes regiões escuras seriam regiões alimentadas por avalanches de detritos sem gelo vinda das bordas das crateras.

Calisto não mostra sinais de tectonismo, como montanhas ou vulcões e isso o faz uma das superfícies mais antigas do nosso Sistema. Porém trata-se do astro com mais crateras. A densidade de marcas de impacto é tão alto, que uma nova cratera que venha a surgir, inevitavelmente apagará ou modificará outra (ver figura ao lado). Outras formações interessantes são a formação de estruturas de anéis múltiplos, como vemos abaixo. Nessa imagem, vemos a Valhalla, maior estrutura do tipo em Calisto. A região brilhosa central tem 600 km de diâmetro e os anéis mais externos ficam a 1.900 km do centro.

Estrutura de anéis múltiplos em Calisto.
Essa estrutura de anéis tem 3.800 km de diâmetro.


EXPLORAÇÃO E FUTURO

Desde a descoberta dos satélites por Galileu até meados do século XX, o único meio de estudá-los era por meio dos telescópios terrestres, mas devido ao pequeno tamanho em relação à distância dificultava detalhes. Os avanços começaram nos anos 70 com a chegada das sondas Pionner 10 e 11 e das sondas Voyager 1 e 2, onde melhores fotos foram tiradas e mensuradas as temperaturas, massas e aparência.

Sonda Galileu
A sonda Galileu enviada diretamente para Júpiter em 1989, chegou ao destino em 1995 e por 7 anos circundou o planeta e seus satélites dezenas de vezes enviando dados e belas imagens. Em 2002, a Galileu foi direcionada para mergulhar na atmosfera jupteriana, mas não correr risco de contaminar Europa. O Telescópio Espacial Hubble também tem contribuído, observando as finas atmosferas dos satélites.

Além deles, sonda destinadas para outros astros também aproveitaram a viagem para "tirar uma casquinha" e mandar novidades desses nem tão pequenos mundos. Foi assim com a Cassini-Huygens que foi para Saturno e a New Horizons que segue no Cinturão de Kuiper.

Muito tem se imaginado e proposto para iniciar um trabalho de exploração direta dos satélites de Galileu, em especial Europa pela grande possibilidade de encontrarmos o famoso oceano em seu interior. Umas das ideias consiste em enviar uma sonda que derretesse o gelo e mergulhasse no suposto oceano como uma lula terrestre. A colonização humana num futuro a médio prazo é complicada, pois Europa recebe altas doses de radiação de Júpiter, o que dificultaria a estadia na superfície sem proteção.

De mais concreto tempos o Europa Jupiter System Mission (EJSM), uma missão espacial conjunta da NASA com a ESA prevista para ser lançada em 2020. Esta missão consiste numa sonda orbital da NASA para Europa, uma sonda orbital da ESA para Ganímedes e possivelmente uma sonda russa para pouso.

A ESA também prepara a missão JUICE (Jupiter Icy Moons Explorer) destinada para estudar a atmosfera jupteriana e três de seus satélites: Ganímedes, Europa e Calisto. A previsão para que alguma sonda chegue lá é para 2032.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Terra vista da Estação Espacial Internacional