Água fora da Terra

18 de abril de 2016

Acima temos um mosaico de diversas imagens capturadas pela sonda Galileu de que entre 1995 e 2003 orbitou Júpiter e estudou seus satélites, entre eles Europa.

É consenso que um dos motivos da existência e manutenção da vida na Terra é a presença de água. Seja abundante como nos oceanos ou na escassez de desertos, ela está presente e, consigo, a vida. Eis uma das razões que movem boa parte dos astrônomos investigarem as condições de temperatura e pressão em planetas, satélites e até cometas. Caso o mesmo tenha uma temperatura semelhante a da Terra, atmosfera mais ou menos semelhante, temos a possibilidade, ainda que remota, de encontrar água lá, e quem sabe... vida!


Nesse "oceano" de incertezas e "ilhas" de fatos concretos, o homem focou em nossos mundos vizinhos. Primeiro a Lua, depois Marte, Vênus, os planetas gigantes, cometas e até o Sol foram estudados, analisados, espectros de luz, reflexos atmosféricos, sondas espaciais, imagens de telescópios, infravermelho, raios X, etc.

Bem, achamos água fora da Terra! E melhor, ela é abundante. Mas antes de você pensar em dar aquele mergulho nas deliciosas piscinas marcianas, saiba que essa água não está disponível assim para nosso uso, ainda que consigamos ir até ela.

Aqui na Terra, fomos premiados com condições excepcionais de temperatura, gravidade, composição e pressão atmosférica. Tais fatores foram decisivos para que a maior parte da água em nosso planeta permanecesse líquida, o que favoreceu as transformações químicas iniciadoras da vida. Além disso, a água líquida é a base da constituição dos seres vivos terrestres, logo todo o complexo conjunto de misturas e reações mantenedora de todas criaturas se processam em meio líquido, permeado com água.

Como dito acima, os cientistas descobriram (e continuam descobrindo) que a água não é uma exclusividade terrestre, ao contrário, é uma substância comum no Sistema Solar e provavelmente no Universo. Veremos a seguir como se encontra essa água nos nossos vizinhos e quais possibilidades e hipóteses ela proporciona. Mergulhe nesse texto!


LUA

Comecemos perto de casa, nosso único satélite. Lá tem imensos mares por toda superfície, mas não são como os nossos, mar é o nome dado a vastas planícies compostas de basalto de tonalidade escura. O grande Galileu Galilei quando mirou a Lua com sua luneta rudimentar percebeu essas regiões como se fossem verdadeiros mares de água. Apesar de estudos em anos seguintes provarem que são apenas crateras, o nome "mar" ficou.

Em 1994 a sonda Clementine indicou a possibilidade de água congelada sob a superfície lunar, fato reforçado pela sonda Lunar Prospector quatro anos depois. Em 2008 Chandrayaan-1, através de um mapeador de mineralogia confirmou a existência de água superficial em proporções próximas de 1000 ppm (partes por milhão). Também em 2008, uma rocha lunar trazida em 1971 durante a missão Apollo 15 revelou a presença de água no interior. No ano seguinte, uma sonda foi enviada para explodir em uma cratera em sombra permanente, a poeira levantada dessa explosão foi capturada e estudada por outra sonda qua a acompanhava e bateu o martelo: a Lua tem água em quantidades razoáveis na forma de cristais congelados e misturados em suas rochas, especialmente nas crateras em sombra.

Polo sul da Lua, o fundo das crateras daqui pouco recebem luz solar, favorecendo a manutenção dos cristais de gelo.

A origem dessa água ainda não foi totalmente esclarecida, mas a hipótese mais provável é que ela tenha vindo de cometas que colidiram na Lua num passado remoto. Alguns defendem a reação entre o oxigênio das rochas reagiu com o hidrogênio do vento solar.


MARTE

O planeta vermelho sempre foi a menina dos olhos dos estudiosos e dos entusiastas em vida extraterrestre. Desde que Giovanni Schiaparelli na segunda metade do século XIX observou Marte com um telescópio de 22 cm e produziu o primeiro mapa do planeta, onde ele apresentou "construções retas" chamadas por ele de "canais", o mundo entrou em êxtase ante a possibilidade de vida marciana. Problemas na nitidez dos telescópio e excesso de imaginação de observadores das décadas seguintes contribuíram com a divulgação precipitada de diversos artigos científicos, onde eram descritos a vegetação exuberante e os vastos oceanos de Marte.

Mapa de Marte produzido por Giovanni Schiaparelli

Com o avanço na qualidade dos telescópios e de outros meios de inquirição os canais sumiram, não eram mais que meras ilusões de óptica, com eles os oceanos e os vegetais. E a água? Ela deu suas caras por lá sim, não como imaginada, mas em volumes significativos. Lá tem vapor d'água na atmosfera, ocorrendo inclusive geada misturada com dióxido de carbono no inverno. Assim como na Terra, os polos marcianos são grandes depósitos de gelo de água, o interessante que, no verão, devido a baixa pressão, esse gelo quando aquecido não derrete, mas sublima-se com o CO2 congelado formando nuvens.

Hipóteses diversas ainda sustentavam que Marte a milhões de anos atrás teve água líquida em sua superfície, como demonstravam formações geológicas semelhante às de lagos secos da Terra e alguns minerais como a jarosita e gipsita presentes nesses locais. Descobertas em setembro de 2015 da sonda Mars Reconnaissance Orbiter que a anos estuda o planeta confirmou a presença de água líquida, fluindo em córregos sazonais.
As estrias escuras surgem nos períodos quentes, água que escorre

A presença de sais hidratados (percloratos), facilitaria a formação dos pequenos cursos d'água, pois o sal reduz o ponto de congelamento da água, permitindo que a mesma permaneça líquida a temperaturas de - 23 °C, nos verões marcianos.
A descoberta de água líquida trará novas hipóteses sobre a história de Marte.



JÚPITER e SATURNO

Os dois maiores planetas do Sistema Solar são praticamente enormes bolas de gás, embora especule-se que um núcleo sólido esteja presente no interior. Júpiter teve uma origem semelhante ao Sol, mas sem a massa suficiente para iniciar a fusão nuclear. Sua atmosfera é um complexo sistema de camadas de nuvens compostas principalmente de hidrogênio e hélio.

Novidades vieram quando as sondas espaciais visitaram o planeta e estudaram sua atmosfera. Foi descoberto que nas camadas gasosas mais profundas há a presença de vapor d'água. Fato apoiado pela detecção de raios atmosféricos, como os da Terra, pois a água é uma molécula polar, ou seja, tem uma parte positiva e outra negativa, o que propicia a formação de correntes elétricas.
Nessa animação vemos a movimentação da atmosfera jupteriana.

A sonda Galileu em 1997 fotografou raios em Júpiter

Até agora traços mínimos de água foram encontrados do segundo maior planeta em camadas esparsas da atmosfera, mas seu exuberante sistema de anéis apresenta quantidades significativas, tanto que gelo de água é o seu principal componente. A origem dessa água é devida a cometas que se aproximaram demais do planeta e que tiveram seu núcleo "rasgado", formando os fragmentos que formam os anéis.

Camadas de nuvens em Saturno

Enquanto os gigantes mal se molham na água, ambos possuem satélites que são verdadeiros oásis nessa região árida: Europa e Encélado, mais a frente veremos um pouco sobre eles.


URANO e NETUNO

O terceiro e o quarto maiores planetas também são dois gigantes, mas de gelo e não de gás como os dois anteriores. Seus interiores tem grandes chances de serem sólidos e envoltos por camadas sucessivas de várias substâncias sólidas chamados genericamente de "gelos" cuja composição é predominantemente de amônia, metano e quem mais? Isso! Água. Esta também está presente na forma de cristais na atmosfera desses planetas, principalmente nas camadas inferiores, pois a água tem alta densidade em comparação com os demais gases atmosférico.

Estrutura interna de Urano, ao redor no núcleo vemos o "manto" de gelo.
Nuvens de metano em Netuno, abaixo delas ficam as de água.


MERCÚRIO e VÊNUS

O planeta mais próximo do Sol, embora não seja o mais quente, tem características muito semelhantes à Lua, como uma superfície repleta de crateras, algumas profundas. Aquelas que ficam nas regiões polares nunca recebem luz solar de forma direta, ficando imunes as temperaturas de 420 °C que assolam a superfície, e no fundo delas foram encontrados depósitos de gelo de água a temperaturas de cerca de -160 °C. Há uma fraquíssima atmosfera mercuriana, onde traços de vapor d'água foram detectados, a origem dessa água é maluca, mas provém das reações do hidrogênio do vento solar no oxigênio dos minerais das rochas superficiais, uma espécie de pulverização catódica.

Polo Norte de Mercúrio. Em amarelo regiões de sombra onde pode há gelo. Fonte: Nasa

Vênus pode ser a Terra de amanhã. Estudos indicam que em tempos remotos Vênus tinha atmosfera semelhante à da Terra, com a grande possibilidade de ter água líquida em sua superfície, mas algo aconteceu, não se sabe o que, mas hoje Vênus é o que mais se aproxima da visão que temos de inferno. Chuvas ocorrem na alta atmosfera venusiana, mas trata-se de chuva de ácido sulfúrico que se evapora antes de atingir a superfície, onde a temperatura está acima dos 460 °C. Assim como Mercúrio, Vênus mantém traços de vapor d'água em sua superfície, algo em torno de 0,002% da composição.
Sonda Venera na superfície árida venusiana.



SATÉLITES DE JÚPITER

A foto que abre nosso texto mostra o satélite que pode no futuro destronar Marte do posto de ambiente com maior possibilidade de haver vida fora da Terra. Europa, descoberta por Galileu Galilei em 7 de janeiro de 1610, é ligeiramente menor que nossa Lua. Completando uma volta ao redor de Júpiter a cada 3 dias e meio, este satélite tem uma superfície intrigante. Repleta de linhas que riscam a superfície lembrando quebras de gelo nos mares polares da Terra.
Linhas escuras percorrem a superfície de Europa

Europa tem uma superfície de gelo com cerca de 30 km de espessura, abaixo dele há fartos indícios de um oceano de água com até 90 km de profundidade. Os principais fatos observados que apoiam essa teoria são os pequenos movimentos relativos entre as placas de gelo, como se "boiassem" na água. A região de Conamara Chaos é formada por placas de gelo que se movem.
Região de Conamara Chaos, local visto como prova para a existência de água sob a superfície de Europa.
Provável estrutura de Europa: grande oceano de água envolvendo o interior rochoso.

Outros satélites jovianos também tiveram a presença de água confirmada, mas não receberam o mesmo destaque que Europa. Calisto também tem possibilidades de abrigar um oceano de água sob a superfície gelada. Esta por sua vez apresenta água pura na forma de cristais por todo o satélite, a qual é misturada com partes de rocha. Ganimedes, o maior satélite do Sistema Solar, tem uma superfície formada por silicatos e gelo de água. Há possibilidades de água subterrânea como em Calisto.


SATÉLITES DE SATURNO

Saturno, assim como Júpiter, tem uma imensa família de satélites. Titã, o maior deles e segundo maior do Sistema Solar, é especial. Além de seu tamanho (uma vez e meia ao tamanho da Lua), ele tem atmosfera densa e o mais importante áreas com superfície líquida. Bem, não é água correndo farta a céu aberto, mas sim grandes lagos de metano e etano, inclusive com chuva de hidrocarbonetos. Gelo de água também foi detectado na composição.
Superfície de Titã, pela sonda Huygens da ESA

Rival de Europa, Encélado apresenta superfície  semelhante ao satélite joviano, com uma camada de gelo cobrindo o astro. Há indícios mais fortes da presença de água líquida no interior, pois já foram detectados fontes de vapor d'água no polo sul. A presença de gêiseres de água foi detectada pela sonda Cassini.
Erupção aquática em Encélado (cores artificiais)

Devido a fraca gravidade de Encélado, parte do material ejetado acaba por se unir ao anel externo de Saturno, o resto retorna em forma de neve. A atmosfera enceladiana contém em essência vapor de água (91%) e nitrogênio (4%). A mesma sonda Cassini, em 2008, detectou amônia entre os elementos ejetados. A amônia é anticongelante, podendo manter a água líquida a quase - 100 °C, o que reforça sua presença no interior.



OUTROS LOCAIS

Além da fartura de água nos locais acima, outros merecem ser citados, como os cometas. Estes tem água congelada misturada com outros compostos gelados em seu interior, parte dela escapa por fissuras na superfície quando os mesmos se aproximam do Sol, ajudando a forma a cauda.

Cometa McNaught

Ceres é um planeta-anão que orbita em pleno Cinturão de Asteroides entre Marte e Júpiter, sua tênue atmosfera contém vapor de água resultante da sublimação do gelo superficial, mas também hpa indícios de criovulcões, vulcões que expelem gelo e vapores de água.

Tritão, satélite de Netuno, tem características interessantes, contando com vulcões gelados que expelem gelo de água e de nitrogênio. A superfície contém gelo de água misturado com gelo seco (dióxido de carbono) e nitrogênio.
Horizonte em Tritão

Como se vê a água não é um presente para a Terra ela foi espalhada por todo Sistema Solar, talvez nem sejamos os donos das maiores reservas caso os oceanos subterrâneos de Europa e Encélado sejam confirmados e mensurados.

O mais importante do que imaginar se essa água estará disponível para nós ou se seres alienígenas já usufruem dela é ter consciência que nosso planeta será nossa única casa por pelo menos mais 100 anos e até lá não teremos outra água. O cuidado com nossos rios e mares visto a longo e longínquo prazo é um teste, pois se não soubermos cuidá-los, de que adianta conseguir água "made in Marte"? Irá secar. Mais uma vez!

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A Terra vista da Estação Espacial Internacional